A ideia dessa última
carta veio de sexta feira passada, eu tenho preguiça de colocar qualquer coisa
em prática, você sempre reclamava muito disso.
Como de praxe a Barbara me arrastou para mais um daqueles
bares da Augusta, aqueles que não faço ideia de como fui parar lá, mas sei que
provavelmente vou ficar até o metro voltar a operar, no inÃcio da manhã.
Já era duas da manhã quando notei aquele relógio em cima de
nossa mesa, no lugar dos números haviam pássaros, para cada hora uma espécie
diferente, antes de eu olhar o que representava as dez horas já sábia que era
um canário.
Não sei se naquele momento morri de sufoco ou de surpresa,
realmente odeio minha memória falha e como sempre me perco nos lugares errados.
-
Era 17 de abril de 2014, estávamos na mesa ao lado da que estou agora,
o espaço era para seis, mas apertávamos em nove, eram todos seus amigos, com
exceção do Gabriel, que após uns meses nos tornamos Ãntimos. Era apenas 22
horas e você já estava na sua terceira garrafa de cerveja, eu te abraçava de
lado pois meu juÃzo já estava completamente imperfeito.
Você matou metade da garrafa em um gole e me pediu completamente
abobado:
- Vocês aqui presentes são agora a prova do nosso amor, queria te dizer
que lhe pertenço, assim como as estrelas pertencem ao céu e gostaria de
oficializar isso, se assim você também me pertencer.
-
Você sempre se saiu bem com as palavras, até mesmo quando
bêbado. Isso é tudo que eu lembro, até o dia seguinte que tive a pior ressaca
da minha vida.
Naquela noite, em meados de abril, você pediu minha mão e eu
tola lhe dei o corpo inteiro.
Boa parte de mim nunca acreditou em amor, muito menos em casamentos
e em chuvas de arroz, dois meses depois daquilo a gente se desencontrou.
Dizem que amor pode mover mares e montanhas, o que tivemos
nunca chegou nem perto disso. O que tÃnhamos era cólera, nos matávamos aos poucos,
em um relacionamento inseguro e quase que abusivo, de ambas as partes.
Minha vida se resume no antes e depois de você e todas as
vezes que sinto sua falta parece que voltei para o dia zero, um ciclo
extremamente vicioso.
Sai do transe com uma amiga da Barbara me perguntando se eu
queria comer algo, pedi cianureto, mas o barulho a impediu de ouvir, por sorte.
Fingi um mal-estar e falei que iria ao banheiro.
A solidão sempre me caiu bem para o mal, fiquei uma parte da
eternidade dentro daquele banheiro que cheirava a vomito de catuaba, até o
cheiro me causar náuseas e me obrigar a sair.
Não que eu não goste das amigas da Barbara, mas agora,
aquele ambiente só aumentaria meu mal-estar.
Olhei para Barbara até ela me olhar de volta, fiz um sinal com a mão que
iria fumar, sai do bar e sentei-me no meio fio, que fedia quase tanto quanto
aquele banheiro imundo.
Olhei para o céu por alguns minutos, mas o mesmo não me entreteve,
a noite estava nublada demais para meu gosto.
Odiava aquele lugar, eu nem sabia o que era Augusta antes de
você, peguei o prometido cigarro e pequei ao me entregar mais ao que éramos.
Há uns 4 anos atrás eu vim para esse inferno pela primeira
vez, nós estávamos juntos há uma semana, ainda estávamos naquela fase de querer
impressionar. Eu estava na livraria cultura lendo a sinopse de algum livro do King, inclusive foi naquele dia que conheci o autor.
Você era completamente impulsivo e tinha uma mania chata de
me puxar pelo braço, como uma criança, quando se empolgava. Você fez isso, fazendo com que eu derrubasse o
livro e o deixasse lá jogado no chão, você me fez atravessar aquela puta
avenida correndo para parar repentinamente sorrindo para mim, aquele sorriso
que te fazia ganhar qualquer perdão.
-
- Adivinha porquê estamos aqui
- espero que tenha um bom motivo para esse estardalhaço.
- estamos no meu segundo e terceiro lugar favorito nessa cidade, essa é a esquina da Paulista com a Augusta. Descendo aqui tive o meu primeiro pt e também conheci meu melhor amigo e indo reto é onde eu passava os fins de semana com meu pai. Sabe que horas são?
- espero que tenha um bom motivo para esse estardalhaço.
- estamos no meu segundo e terceiro lugar favorito nessa cidade, essa é a esquina da Paulista com a Augusta. Descendo aqui tive o meu primeiro pt e também conheci meu melhor amigo e indo reto é onde eu passava os fins de semana com meu pai. Sabe que horas são?
Acompanhei os olhos dele que subiram para um prédio que tinha um relógio
digital enorme, marcava exatamente 21:07.
- Não vou dar um horário exato, mas sei que por volta das 21 horas há
uma semana atrás a gente se conheceu. Por algum motivo você foi parar na
estação Granja Julieta, acho que você mora por lá, ne? Bom oficialmente
estivemos juntos nos meus melhores lugares de SP, pois a partir de agora aquela
estação sempre vai me lembrar de você e desde que te conheci tem sido a minha
pessoa favorita no mundo.
-
Não havia uma maneira de não me apaixonar por você. Eu era
pacata, vim do interior e de relacionamentos comuns, conhecer você e toda sua
intensidade me fez uma nova pessoa.
Definitivamente nada combina mais com meu estado espiritual do
que a garoa fina que começou a cair, como nos filmes de romance, o clima também
resolveu sentir o meu drama e o meu desamparo. Minha maior decepção foi pegar o
ultimo cigarro, não me importava me molhar, mas tirar o meu tranquilizante
faria a madrugada estender-se por anos.
Por vezes penso em sair de São Paulo, cada canto dessa cidade
encontro um pedaço nosso, esse lugar pertence ao que éramos, não ao que eu
agora sou.
- Aposto que está perdida – novamente despenquei realidade abaixo,
uma garota franzina com uma camiseta escrita “I’m strange” com brilhos
prateados, por alguma razão resolvera apreciar um pouco da falta de paisagem
comigo.- Desculpa, só ia pedir um cigarro, mas sua expressão me deixou
intrigada. Tá sozinha?
- Minhas amigas estão dentro do bar, o cigarro acabou, mas
não seria mal encontrar mais um maço.
- Já que você está sozinha
- eu n...
- Suas amigas estão dentro do bar, ok. Eu estou perdida e
acho que você também está, pare de me olhar como se eu fosse algum tipo de
louca. Não são nem três da manhã e eu acho que seria legal sua companhia.
- Como quiser – Ela parecia muito leviana, eu realmente
queria fugir de todos os ecos negativos da minha mente, eu realmente queria
fugir do meu desespero que clama seu nome.
- Você é bonita, mas essa expressão de tristeza é horrorosa.
Desculpa a invasão, mas pela sua cara e a irritabilidade que está demonstrando
agora, aposto que tem algo a ver com amor.
- Eu já disse que não tenho cigarro. – Ela suspirou
desanimada – se você realmente está perdida talvez eu possa te ajudar, me diz
onde quer chegar e se eu não souber alguém por aqui deve saber
- Eu quero saber onde me encontro, se é que posso me
encontrar, eu não lembro quando, como e nem onde me perdi. Acho que já vim ao
mundo assim, procurando desesperadamente me encontrar e me perdendo
gradativamente.
Eu demorei alguns segundos para compreender que ela não falava
de localização geográfica, que eu não poderia ajuda-la e que provavelmente ela
acertou, eu estou há muito tempo perdida.
- Pelo visto alguns perdidos se reconhecem.
- Digamos que estou nessa estrada há muito tempo. – Eu só
pude sorrir, já não tinha o que dizer...- Diga-me o que te aflige e eu lhe digo
a solução.
- Meu dilema não é solucionável, são apenas problemas
amorosos.
- Tenta, quem sabe eu possa te surpreender.... Vaai se situa
– eu a conhecia a menos de cinco minutos e já estava completamente encantada e
não sei exatamente o motivo, mas me “situei”
Desde o dia que deixamos de sermos nos parei de dizer seu
nome em voz alta, sempre tive medo de ao ouvi-lo perder todas as forças. Seu
nome era uma palavra mágica, que me derrotava, se a vida fosse como o xadrez você
se chamaria Xeque-mate. Todas as vezes que eu joguei com você eu perdi, até
quando achava que ganhava, eu estava perdendo.
Eu disse para ela, absolutamente tudo, como você parecia o
sol e como agora tudo estava tão escuro. Disse que você gostava de me pegar no
colo, só para dizer que nem em peso eu tinha valor, era uma piada estupida que
para você nunca perdia a graça.
Também disse que você gargalhava como uma hiena, que em seu
sorriso tinha covinhas tão profundas que diversas vezes acabei ilhada nelas.
Disse dos nossos apelidos, disse que eu havia saÃdo de onde nem judas terias
coragem de perder as suas botas para vir morar aqui e que na semana seguinte te
conheci.
Eu comecei a chorar quando falei das nossas idas para lugar nenhum,
acordávamos e ainda sonolento você me rodava até ficar zonza, tapava meus olhos
e fazia eu apontar em algum lugar no mapa, era um mapa de SP e seus arredores,
onde meu dedo parava era nosso programa de fim de semana, eu nunca mais tive
programas bons assim.
Eu nunca havia feito amor antes de você, tinha passado por
meia dúzia de camas, mas só na sua aprendi o que era amor e não tenho coragem
de procurar o amor em outros lençóis.
Já era manhã quando notei que havia parado de garoar,
provavelmente há horas, o asfalto estava seco e um sol branco de inverno
tentava dar suas caras entre as nuvens. Meu rosto permanecia tão molhado que
qualquer um que passava dizia que eu poderia ter enfrentado uma tempestade,
minha tempestade sempre foi você.
Ao terminar toda minha novela mexicana, olhei para o bar e
vi que a Barbara e suas amigas haviam me abandonado, OTIMO, pensei comigo,
provavelmente estavam bêbadas demais para lembrar-se de mim. Antes de pensar em
ir embora, senti uma pressão inesperada em meu braço esquerdo.
- Por que você me bateu?
- Você passou a madrugada inteira falando, falando e falando
de como o cara era incrÃvel e de como você o amava. Mas nunca parou para
perceber que talvez quem seja incrÃvel é você. Sabe você encontrou o amor nos
detalhes e até mesmo na forma dele te amar.
- Mas isso não importa mais... – No segundo seguinte ela me
beijou, minha única reação foi beija-la de volta. Era um beijo doce e carinhoso,
meio salgado por conta das minhas lágrimas que ainda caiam. Eu não tinha beijado
ninguém depois de você.
Ela desceu a mão lentamente por minha cintura, até minha
bunda, aquela ação premeditada me fez parar, ela sorriu e me deu outro soco e
pronunciou lentamente, ainda com o rosto colado ao meu – espero que alguém me
ame como você o amou. Nos duas
pertencemos ao mundo e sempre estaremos perdidas – ela mexeu em meu cabelo e
olhou para baixo em um meio sorriso.
– Escreva uma carta, ninguém
nunca provou que os mortos não podem ler. – Ela selou os lábios ao meus,
levantou-se em um pulo e saiu correndo Augusta abaixo – Só naquele momento
percebi como ela era linda e me perguntei como uma garota com o padrão de
beleza dela interessou-se tanto em mim.
Está noite resolvi lavar minhas roupas e qual não foi minha
surpresa quando um papel caiu do bolso da calça que eu usei naquela noite. Em um
garrancho horrÃvel estava escrito um número de telefone e um nome o acompanhava
“Alanys” mais abaixo numa caligrafia ainda mais torta e quase ilegÃvel “me liga
quando conquistar sua liberdade, nem antes e nem depois, NA HORA”.
Eu conquistei, mas precisava te escrever antes, para ter
certeza. É provável que eu esteja apaixonada, talvez até não, talvez seja só
encanto passageiro, mas espero que essa passagem me leve a algum lugar.
Eu nunca vou esquecer seu cheiro, nem a forma como me
abraçava quando sentia medo, nunca vou esquecer da última vez que nos falamos e
jamais vou desvalorizar tudo que você me ensinou. Se a morte não tivesse te
roubado de mim, terÃamos tido um futuro incrÃvel.
Você foi, mas eu permaneço, permanecerei te amando, mas em
outros ares. Até o dia que o ar me falte e que meus sonhos se realizem, até o
dia que eu vá acordar ao seu lado. Me perdoa, mas insistir nessa cólera me
priva da liberdade e eu preciso voar, mesmo que seja sem você.