Havia
uma janela e dessa janela todo aquele mundo vazio e quebrado podia ser
avistado, de norte a sul e de leste a oeste, não havia um ponto cego. Cego
mesmo era a sua população que apenas aceitava as coisas como eram, uma cômoda
doença havia afetado cada molécula dos seus 304 mil habitantes.
Ali
não havia dias célebres, felicidade gera prejuÃzo. A cólera já não era o que
mais doÃa, a morte era como o passar das estações, inevitável, o que doÃa mesmo
eram os bolsos vazios. Amor de verdade, ali, só era ao lucro inconsistente.
Nesse
mundo o vácuo era na alma, era ela quem se rastejava pelas suas vielas, era ela
quem pedia esmolas nas esquinas, era ela quem não sabia que implorava amor aos
corações de vidro.
E
aquela janela, que era no prédio mais alto, na história da arquitetura do
impossÃvel, deveria refletir um reflexo humano, que já não era humano. O
inumano era praxe, tão praxe que já era humano.
A
alma que ela refletia era uma cela, os sonhos ali foram acorrentados na melhor
corrente, forjada no melhor ferro, a sete cadeados invisÃveis aos cegos.
Aos cegos habitantes que o forjaram, as cegas almas que se rastejavam pelas vielas e boieiros. Aos cegos que venderam suas almas e não passavam de corpos vazios.